A busca pelo personagem
Seja a fotografia uma representação fiel da realidade, uma imitação simples do real ou falácia produzida para conduzir o leitor na direção da intenção criativa de um fotógrafo, uma coisa é sempre comum na maioria das grandes imagens: o personagem.
Assustados, valentes, pacíficos, indiferentes, agressivos, vivos ou mortos. Os travestis mexicanos de Bresson, os soldados de Capa, os conflitos de Felipe Dana e os pantaneiros de Luciano Candisani emprestam sua própria imagem, seu bem mais precioso, dando sentido e extraindo o choro, o riso, o repúdio. Cada um desses personagens torna-se a ferramenta que dá sentido à história sem nem mesmo imaginar a imortalidade a que estará diretamente condicionado a partir daquele momento em diante.
O personagem doa para a história a capacidade de ligação entre o plano e o contraplano, ligando o habitat à condição momentânea do ser vivo. Leva o leitor a uma viagem pela vida do outro, como um voyeur moderno nas telas de seus gadgets; o leitor decide, lê, projeta ou se transporta para aquela condição.
Como buscar o personagem? Como usar uma pessoa, desconhecida ou não, manipulando sua imagem para o bem da história? Vivemos um momento de questionamento, não sobre a ética de se usar ou não uma pessoa, personagem de uma história para informar ou situar tempo, espaço e ação, mas sim, o questionamento sobre o ato de fotografar um personagem nas ruas. Cada vez mais o fotógrafo pode ser interrogado pelo fotografado sobre o motivo daquele registro, muitas vezes de forma agressiva, imperativa. Cada vez mais editoras pedem para o autor o “termo de uso de imagem” dos personagens, vivos ou mortos, assinatura e números de documentos para garantir-se e isentar-se de futuros possíveis processos. Fotografar gente, como se fazia livremente nos anos 40, 50, 60 ou antes e depois até os anos 90, vem se tornando crime hediondo, como se o disparo da câmera deflagrasse projéteis mortais, ferindo fatalmente a imagem, a história pessoal e a honra daquela pessoa. Com isso, as histórias vêm perdendo o valor, o sabor. Sem sua maior ferramenta, as histórias estão empobrecendo e entrando em uma dinâmica decadência de conteúdo. Estão sendo contadas através de objetos, espaços vazios, ausência – talvez seja isso mesmo. Talvez a humanidade esteja se tornando isso: objetos, espaços vazios e ausência.
Mas, enfim, prefiro não acreditar nesse caminho e coloco, sim, a câmera no rosto do personagem. Registro o plano e o contra plano com meu maior bem, o personagem. E se for interrogado de forma dura, lembrarei o conselho de Luiz Garrido, que hoje fotografa retratos, mas que fotografou a Paris efervescente de 1968. Ele disse: “A alça de sua câmera deve ser longa o suficiente para encaixar corpo e lente embaixo do braço. Só assim você pode correr tranquilamente com a câmera fotográfica”.
William Silveira